Porque Walter Benjamin é um Pensador Anti-Moderno Ou Walter Benjamin: o Tecelão de Conceitos

Saturno: O Senhor do Destino

“ O crepúsculo voltará algum dia

A noite descerá das estrelas

Repousaremos nossos braços estendidos

Nas proximidades, nas distancias

Da escuridão soam suavemente

Pequenas melodias arcaicas. Ouvindo,

Vamos desapegar-nos,

Vamos finalmente romper as fileiras.

Vozes distantes, tristezas próximas

Essas são as vozes e esses são os mortos

A quem enviamos como mensageiros

Na frente, para levar-nos à sonolência. ”[1]

– Hannah Arendt

Dono de um pensamento gerado à deriva, desordenado e produtivo, e que persegue uma rota precisamente pelos desvios, pelas variações e dissonâncias, Walter Benjamin é um pensador que compõe sua filosofia, não como quem segue em linha reta, mas como quem passeia num imenso labirinto. Seu pensamento pode sugerir certa rapidez com sua fragmentariedade, concisão e brevidade, mas ao mesmo tempo, exige um exercício de lentidão, pois foi composto por alguém “nascido sob o signo de Saturno”, o planeta das revoluções mais lentas, é o regente da melancolia, dos desvios e das demoras. Planeta que carrega o nome do correspondente latino do deus grego Cronos e, que, de natureza ambígua e contraditória, é o astro do luto impossível, da tristeza e da criatividade, que tende a converter tudo a tensões insolúveis. No entanto, sob a influência de Júpiter (correspondente latino do deus grego Zeus) torna suas influências malignas em inspiração livre. Saturno, o senhor do destino, torna-se protetor das mais elevadas investigações, da meditação e da filosofia. Benjamin reivindica para si tais aspectos saturninos, que se desenrolariam efetivamente ao longo de sua vida, seja enquanto decisões típicas do melancólico, tomadas cedo ou tarde demais, entregando, assim, sua vida ao destino, ou enquanto momentos de elucubrações profundas. Talvez daí tenha surgido sua preocupação com a catástrofe moderna: a homogeneização e esvaziamento do tempo, a perda da experiência e destruição da aura, a morte de Deus e o culto ao progresso enquanto destino inevitável. O progresso é essa “luz no fim do túnel” que nos cega ao invés de guiar-nos à salvação.

Tecidos e Texturas ou à Margem da Modernidade

Benjamin dedica suas teses “Sobre o conceito de História” ao tema do tempo e do progresso, o ensaio da “Obra de arte na época de sua Reprodutibilidade Técnica” tem em sua medula espinhal as reflexões acerca da destruição da aura, e “Experiência e Pobreza” sintetiza a questão da perda da experiência. Mas não nos enganemos, os temas e conceitos trabalhados por Benjamin, ao mesmo tempo em que podem ser localizados pontualmente em determinados textos não se esgotam nestes, é como se os textos atravessassem uns aos outros sem que haja centralidade entre eles. Por isso podemos chamar Walter Benjamin de filósofo assistemático e fragmentário, porém, jamais irracionalista!  Um legítimo herdeiro de Heráclito e de Zaratustra. Um filósofo Anti-Moderno.

WhatsApp Image 2016-12-08 at 23.47.51.jpeg
Walter Benjamin

Seus textos são uma trama cuidadosa e complexa. Entrelaçam aspectos autobiográficos, poéticos, literários, místicos, melancólicos e, por mais contraditório que nos pareça, esperançosos. São tecidos que de um lado parecem quentes e cinzentos, mas que guardam um forro multicolorido em tons vibrantes, ao qual nos enrolamos enquanto lemos, sentindo-nos aquecidos e abrigados. Quando envoltos por tal manto misterioso, quem nos assiste de fora, só enxerga o lado cinza.

É um tecido filosófico consistente, como uma tempestade que com o passar do tempo se acumula em nuvens tranquilas, densas e sombrias, pois, assim faz toda a sabedoria que quer um dia dar à luz o raio (Nietzsche). Sendo assim, o conhecimento existe em lampejos e o texto é o trovão que segue ressoando por muito tempo (Benjamin). Sem dúvida foi um homem cujo olhar tinha a capacidade de despertar, com brutal delicadeza, a magia no transitório, nas efemeridades, não à toa era um colecionador de selos, borboletas, livros infantis, brinquedos antigos e citações. Esse estranho e contraditório pessimismo esperançoso que tinge o tecido de suas construções conceituais, são a expressão de uma personalidade frágil e sensível num contexto sombrio e massacrante, é o eco de um coração que bate à margem de qualquer centro, mesmo o da modernidade. Ler textos de Benjamin é deixar-se conduzir por um manso rastro de esperança em meio aos escombros de uma modernidade despedaçada.

[1]Poema chamado “W.B”, feito em homenagem à Benjamin.

Escrito por Nollos Yor

Deixe um comentário